O Evangelho Segundo o Sangue
O Evangelho Segundo o Sangue aborda uma história de pecado e reparação passada no século XIX em Natal.
Por Paulo Ricardo (Onomatopeia)
Em ocasiões normais, a sombra da traição de uma mulher é capaz de tirar qualquer homem do prumo, levando-o a caminhos sombrios. Quando se adiciona a esse dilema elementos de horror, os rumos (naturalmente) tornam-se ainda mais sinistros. É nesse sentido que aponta O Evangelho Segundo o Sangue (2013), História em Quadrinhos de terror e fantasia escrita por Marcos Guerra e desenhada por Leander Moura.
A HQ, ambientada numa Natal do início do século XIX, acompanha Hugo Ribeiro, um viúvo numa jornada de vingança e reparação, cuja trajetória começa após uma chocante confissão feita por sua esposa no leito de morte. Em seus últimos momentos de vida, Elena confessa ter, por três vezes, traído o marido com o diabo, restando ao homem o luto e a incumbência de encontrar a entidade corruptora, se certificar do pecado cometido e confessá-lo a fim de salvar a alma da mulher.
Sem saber como encontrar o diabo, o homem sai pela cidade numa infrutífera procura por qualquer trilha que possa levar ao maligno, até que uma anciã indígena lhe esclarece que o “demônio de sangue” está ligado a um marco de pedra trazido de Portugal e deixado em um ponto do mangue. A partir daí, Hugo é guiado em uma jornada que ganha, a cada avanço, contornos mais fantásticos. Chegando ao local apontado, o protagonista então se dá conta que, enquanto se engajava em uma missão pessoal, sua jovem filha Ana estava exposta ao encanto de um mal que se aproveitava de sua ausência para ocupar sua casa e “envenenar” seu lar. Caberia a Hugo terminar sua jornada para voltar fortalecido com conhecimento e ferramentas capazes de auxiliá-lo na luta contra seu adversário.
A história segue (passo a passo) as etapas da jornada do herói, com um texto rebuscado e ritmo de romance literário. Apresentando elementos e guiando a atenção do leitor para uma direção especifica com o objetivo de ocultar elementos e iluminá-los no momento oportuno. Durante boa parte da obra, o texto consegue manter um suspense acerca da existência do sobrenatural. Teria sido Hugo realmente traído por Elena com um ente maligno ou aquela declaração era apenas fruto de um delírio de uma mulher enferma? O mal que rondava aquela família seria uma entidade concreta ou uma personificação de um conceito abstrato? Questões como essas vão se desvelando ao leitor à medida que o protagonista vai desvendando-as.
Com um uso abundante de sombras e texturas, a arte de Leander imprime a atmosfera obscura e nebulosa que o artista se propõe a ilustrar e é sugerido pelo texto, compondo uma aura de suspense constante, em que cada sombra pode esconder ameaças e intenções. Se em um ponto da trama, é dito que na sombra ou na ausência do sagrado, cria-se um vácuo onde o maligno passa a ocupar, as ilustrações de aparentam Leander corroboram com essa afirmação.
O Evangelho Segundo o Sangue tem entre suas principais qualidades, o uso apurado e eficaz dos personagens. Todos os “atores” envolvidos cumprem uma função na história e ocupam, em maior ou menor escala, papéis que ajudam a trama a seguir em frente ou mudar de rumo e criar conflitos. Alia-se isso as reviravoltas bem planejadas e justificadas de modo que, ainda que inesperadas, não soem arbitrárias.
Coerente com a forte relação com os mitos cristãos e seus ritos, a história se revela, em sua essência, uma trama sobre o perdão e sua capacidade de libertar. Quando, de modo análogo a Cristo, Hugo carrega o peso de sacrificar a si e transcender sua mortalidade para vence o mal e libertar o mundo, acima de tudo, ele salva e liberta a si mesmo.
Fonte: ONOMATOPEIA
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